A introjeção da violência no masculino.

Pedro Pazzini
3 min readMay 24, 2021

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É evidente que das questões que competem ao campo das masculinidades o problema da violência configura-se como o mais urgente. Somos lembrados disto a cada nova estatística e notícia de jornal. É do sexo masculino a grande maioria de pessoas cumprindo pena no sistema prisional, assim como são os homens os agressores mais recorrentes na violência de gênero/na violência doméstica.

Deixemos dito aqui, que neste texto se compreende violência, não só como atos de agressão física, mas de maneira ampliada, a toda ação que tenha como fim a dominação da liberdade de um outro, seja de maneira intencional ou não, sejam liberdades palpáveis ou não.

Uma explicação pra este fenômeno trata de como a maneira através da qual os homens relacionam-se com o mundo à sua volta, com outros homens e com as mulheres é costumeiramente atravessada por uma temática de dominação violenta que inicia no discurso.

Em nossa cultura entende-se que o masculino, o homem, é definido, construído e julgado, dentre outras coisas, pela sua força, pela sua capacidade de impor-se e sobrepor-se aos outros. E isto é visto, tratado e discutido como “poder”. O homem necessita ser poderoso.

Mas se este “poder”, que é não é só desejável mas tido como condição da identidade masculina, for compreendido e definido deste jeito, como a imposição da vontade de um sobre outro; ser capaz de fazer com o que o outro aja como quero; dar ordens e ser obedecido; como dominação, não é surpresa que o desejo por ele e pela sua manutenção (que é aí na verdade, o desejo pela manutenção da identidade masculina) poder servir como base para a violência. Afinal não haveria “poder” maior, argumento maior para a obediência, do que a capacidade de um de atentar sobre a vida e o bem estar de outro.

“O poder cresce do cano de uma arma”, frase atribuída a Mao-Tse-Tung.

As relações de poder, são constitutivas das interações humanas, elas se veem presentes em todos os tipos de relações, e portanto não são passíveis de serem idealizadas em algum momento vindouro como extintas; e são essenciais de serem analisadas ao caso em questão pois, é dentro destas dinâmicas que ocorrem as situações de violência.

Para compreender melhor de que maneira as relações e noções de poder podem tornar-se fenômenos de violência, pode-se pedir auxilio a Hannah Arendt; a autora trabalhou exaustivamente a relação de Poder x Violência, [o que já tentei melhor resumir aqui]. As concepções da autora tornam-se interessantes pois demonstram, de maneira bastante extensa no seu livro, como a violência é um fenômeno extremamente enraizado em nossa história e cultura, e uma das razões para isso é o fato de que, encontramos nas definições de nossas próprias palavras [o que é poder?], no entendimento de nossa própria natureza [os homens definem-se pelo poder], na lida com as nossas próprias relações, justificativas para a sua existência.

Se aos homens, for lhes colocado, que parte de ser um “homem de verdade” é também ser detentor de poder sobre os outros e o meio em que se insere, e somar-se a isso então a inserção destes em um meio que cultua e normatiza a violência por ser entendida como manifestação de poder, torna-se banal associar estes três elementos entre si homens/masculinidade — poder — violência. Afinal, se é isto que o homem é, e a identidade que se crê ter precisa ser preservada, assim serão.

A manutenção do ciclo da violência, culturalmente, não ocorre de maneira deliberada mas pela não consideração e reconsideração de onde exatamente conectamo-nos a violência; ato que por sequência, nos permitiria a tão almejada desconexão desta. É este, o exercício primordial áqueles que desejam um futuro de não-violência.

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Pedro Pazzini
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Written by Pedro Pazzini

Psicólogo. Entre estudos e reflexões.

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